Encargos administrativos levam jovens agricultores a perder apoios europeus
De: Natasha Foote - EURACTIV.com |
Os jovens agricultores que têm acesso às terras por via de contratos não convencionais são, segundo Bruxelas, elegíveis para subsídios da União Europeia, mas os encargos administrativos sobrepõem-se aos proveitos, penalizando esta classe em detrimento dos proprietários.
A inexistência de terras a preços acessíveis é reconhecida como o maior obstáculo para os novos agricultores, num setor predominantemente envelhecido.
No total, mais de metade das terras agrícolas é gerida por profissionais com mais de 55 anos e quase um terço por agricultores com mais de 65 anos.
Por sua vez, a área total de terras sob a gestão de agricultores com menos de 35 anos corresponde a 6%, verificando-se assim uma necessidade de renovação geracional.
Esta realidade já foi reconhecida pelo Parlamento Europeu que, no seu relatório de 2018 sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC), defendeu que, “para alcançar uma agricultura sustentável, os jovens agricultores devem poder investir e comprar terras agrícolas”.
Verifica-se assim que a estrutura de pagamentos e as medidas de apoio inadequadas têm, muitas vezes, contribuído para o impedimento da entrada em atividade de potenciais agricultores.
Atualmente, um em cada três novos agricultores recebem subsídios públicos.
Cada vez mais os agricultores que querem iniciar atividade têm de procurar formas não convencionais de acesso às terras, assumindo os contratos com os proprietários diferentes formatos comerciais e legais.
Em muitos casos, os novos agricultores e os donos das terras ou os operadores ligados à propriedade tornam-se parceiros de negócio, enquanto, noutros casos, a relação afigura-se mais próxima de um tradicional contrato de arrendamento.
Conhecido como ‘Commodat’ ou “empréstimo para uso”, o acordo de acesso gratuito foi classificado no relatório da Comissão Europeia sobre os apoios à instalação de novos agricultores (2016-2017) como “um contrato precário gratuito”.
Segundo o documento, na teoria, este tipo de acordo permite uma parceria entre as duas partes, sem um contrato de arrendamento convencional, o que se tem afigurado como uma das principais opções para os donos das terras.
No entanto, estes contratos colocam os agricultores numa situação precária, sem as condições necessárias para exercer a sua atividade e sem qualquer garantia quanto ao valor da renda.
O acesso à terra é um grande obstáculo à instalação de jovens agricultores, conforme reconheceu fonte oficial europeia, em declarações ao portal EURACTIV, acrescentando que uma das prioridades da PAC pós-2020 passa por atrair jovens para o setor e ajudá-los a estabelecer um negócio viável.
Segundo a União Europeia (UE), desde que os jovens agricultores cumpram os requisitos básicos de elegibilidade, recebem apoios da PAC, enquanto tenham acesso às terras, através de contratos como os ‘Commodat’, sendo que os apoios são dirigidos para o utilizador das terras e não para o dono.
A responsável pelas comunicações do Conselho Europeu de Jovens Agricultores (CEJA), Fiona Lally, avançou ao EURACTIV que se têm registado várias iniciativas, ao nível dos Estados-membros, que facilitam a transferência de terras entre os agricultores mais velhos e os mais jovens, incluindo a criação de parcerias, como a que já acontece, na Irlanda, com o serviço da mobilidade de terras ou, em Itália, com as chamadas parcerias de tutoria.
Fiona Lally sublinhou ainda que se um contrato ou acordo escrito entre os subscritores destas iniciativas não for contestado, o acesso do agricultor aos subsídios da União Europeia também não será posto em causa. Contudo, nem sempre é isso que se verifica.
O EURACTIV falou com o responsável do movimento ‘Terre-en-Vue’, cujo trabalho se destina a facilitar o acesso às terras na Bélgica, que disse que, tendo em conta os apoios de baixo ou médio valor e a carga administrativa associada às candidaturas aos subsídios, muitos jovens optam por renunciar a estas ajudas.
David Dupuis indicou ainda que o valor médio atribuído aos jovens agricultores em Valónia (na Bélgica), este ano, foi de 114,15 euros, o que se justifica com o facto de a maioria dos subsídios se adaptar aos projetos mais comuns, enquanto os jovens agricultores dedicam-se, muitas vezes, a projetos inovadores.
Dupuis referiu também que isto revela que, em muitos casos, os jovens horticultores trabalham as terras de outros agricultores ou declarantes que, por sua vez, asseguram pagamentos básicos.
Este é, sobretudo, o caso dos agricultores mais velhos, que disponibilizam as suas terras aos jovens, capitalizando os pagamentos de modo a assegurar a sua reforma, ilustrou.
Por vezes, os proprietários cobram rendas “superiores aos níveis legais estabelecidos por lei”, vincou Dupuis.
Opinião semelhante defendeu Zoé Gallez, que também trabalha para o ‘Terre-en-Vue’, ao referir que, embora tecnicamente os agricultores possam receber apoio financeiro da PAC, independentemente de serem arrendatários ou donos das terras, na prática, se um agricultor aluga um terreno, tendo por base um acordo precário ou temporário a um jovem, geralmente, tende a ter acesso à ajuda.
“As restrições administrativas, muitas vezes, superam a vantagem financeira”, concluiu.
( A versão em inglês deste artigo pode ser lida no portal de jornalismo Euractiv, em: Burdensome administration means young farmers are missing)